Investimento Ilíquido: Uma Perspectiva Específica
O objetivo desse texto é, após estabelecer uma introdução ao conteúdo a ser compartilhado, trazer a perspectiva da Rise a respeito de três tópicos:
(1) Percepção do mercado investidor de ativos ilíquidos em 2020.
(2) O posicionamento da Rise Ventures dentro desse contexto.
(3) A nossa visão — e expectativa — de um breve futuro.
Introdução:
O contexto COVID-19 derrubou todo e qualquer plano pessoal e profissional que tenha sido desenhado, juntos aos votos de ano novo, da maior parte dos habitantes desse planeta. A realidade, em muitos níveis, configurou-se de maneira bem diferente ao que se esperava. Colocou todos na missão do ‘ajuste de rota’ em vários aspectos, fazendo valer a seleção natural Darwiniana, infelizmente, no caso da nossa espécie, ditada muitas vezes pelas oportunidades individuais que cada ser teve ao longo de sua vida. Os maiores impactos negativos são, como quase sempre, nas pessoas com menor renda e acesso aos serviços básicos de ‘dignidade’ — alimentação, saúde, educação, crédito, moradia, saneamento, conectividade e empregabilidade.
Estamos vivendo a maior crise econômica de muitas gerações. Não sei nem precisar quantas. Muita reflexão está pairando e sendo digerida na humanidade, em muitas direções que vamos explorar melhor no último capítulo desse texto. Por ora, do ponto de vista estritamente econômico, essa pandemia trouxe um efeito médio negativo bastante intenso na vasta maioria dos setores e países. Alastrou-se rápida e desastrosamente, all over the places.
Deixei o ‘efeito médio negativo’ em destaque acima, pois faz-se absolutamente importante o discernimento que, dentro dessa crise, impacto médio significa que há setores que estão indo mal ou muito mal (decrescendo), há setores que estão andando de lado (crescendo menos do que o esperado, ou flat growth), e há setores anticíclicos que estão crescendo (pouco ou muito mais do que o esperado em relação ao plano original). Na média, portanto, o impacto médio ser (bem) negativo, significa que a maior parte dos setores, percentual e ponderadamente, está indo mal ou muito mal perto do que se esperava.
Esse contexto introdutório óbvio é importante pois, com a ‘cabeça-dupla’ de investidor que temos enquanto gestora de investimento — tanto para lidar com captação de recursos financeiros em uma ponta, quanto para escolher empresas para investir na outra ponta — , temos que analisar profundamente e colocar o raciocínio em uma perspectiva específica. Analogamente, o cuidado aqui é não achar que está tudo bem com a temperatura corporal por se ‘ter um pé no gelo e outro pé no fogo’, como diria o ditado. Ambos os lados queimam e a temperatura média está bem. Ou seja, a média pode não ser eficaz para analisar oportunidades de investimento, dependendo do contexto.
Em resumo, o mundo econômico está mal. Dentro desse contexto, existem os 3 tipos de setores (decrescentes, flat, crescentes). Ainda mais especificamente, podemos ter empresas indo bem em setores indo mal, ou empresas indo mal em setores que estão bem. Todas essas combinações podem ser, dentro dessa lógica, e aplicando o raciocínio específico para analisar oportunidades. As principais variáveis, ao nosso ver, que estão impactando as empresas, nesse contexto, estão correlacionadas com os seguintes tópicos:
1) Qualidade dos times de execução e consequente capacidade de ajuste do plano à vida real (um dos mais importantes fatores, sempre, em nossa visão como investidores);
2) Nível de essencialidade do produto ou serviço para o público-alvo, de uma forma geral;
3) Nível de atratividade do produto ou serviço, dentro desse contexto específico;
4) Modelo de negócio e seus distintos canais de vendas e distribuição;
5) Diferenciais competitivos que foram criados nos últimos anos.
Quanto melhor o time de gestão do negócio, com portfólio de produtos e serviços mais essenciais e/ou atrativos, atendendo aos clientes e consumidores com modelos de negócios sólidos e flexíveis, com diferenciais reais, mais provável que a empresa esteja passando esse momento de forma segura, ou esteja ‘bem-obrigada(o)’, apesar dos sons dos canhões do lado de fora. E os mercados de investimento ilíquido e economia real não vão parar. Só crescerão, visto o caminho que esse ‘novo normal’ está estabelecendo (comentaremos mais no capítulo 3), associado às baixas taxas de juros estruturais que muitos países do mundo estão se ancorando.
(1) Percepção do mercado investidor de ativos ilíquidos em 2020
Posta essa introdução, dentro do mercado de investimentos, nós na Rise temos contato intenso e constante com muitos tipos de investidores distintos — anjos (até ~R$500k), ‘super-anjos’ (R$ 1MM+), famílias e seus family offices (single e multi, dos mais variados portes, de alguns milhões até muitos bilhões de patrimônio), instituições financeiras, bancos de desenvolvimento e organizações multilaterais, fund of funds e endowments em diferentes países e continentes, entre outros tipos. Mercado financeiro para todas as preferências e perfis de ativos. Divertido, para dizer o mínimo. Só quem faz fund raising pode compartilhar as dores e amores dessa atividade.
Apesar de não termos uma amostragem estatisticamente relevante para auferir a distribuição extrapolada do comentário que se segue, nosso termômetro e intuição podem nos dar um indicativo, posto esse contato profundo e frequente. Nesse contexto de pandemia, podemos dividir os investidores em 3 categorias:
(1.1) ‘Todo cuidado é pouco’
(1.2) ‘Vida que segue’
(1.3) ‘Acelera que é o momento’
Explicamos brevemente cada um deles abaixo:
(1.1) ‘Todo cuidado é pouco’
Nessa categoria encontram-se os investidores que desaceleraram suas atividades de investimento. Notamos 2 motivos principais para que isso ocorra: (i), atenção está majoritariamente voltada ao portfólio já investido — que na maior parte dos casos está demandando capital e liquidez não planejados — , além do desenvolvimento de planos de mitigação e/ou contingência, que demandam tempo, ou por (ii) reticência ao momento presente e incerteza de qual será a extensão dessa crise econômica alastrada que estamos vivendo (qual o tamanho da ‘u curve’). Assim, ‘todo cuidado é pouco’ é a máxima que estamos sentindo desse primeiro grupo.
Não obstante, e sem julgamento de valor — de certo, errado, melhor ou pior — , percebemos que o grupo das pessoas ‘reticentes’, de uma forma geral (com exceções), tem olhado para crise como algo médio e absoluto, e tem se sensibilizado mais profundamente com os impactos gerais da pandemia — retração de PIB em diversos países, além das outras ’n’ notícias 24/7 informando fatos com algum teor de alarme e medo, sensacionalismo e absolutismo. Sem desmerecer os muitos veículos que se colocam de forma mais profunda, imparcial, e construtiva também. Parabéns aos que assim se colocam.
Já o grupo de pessoas focado no portfólio atual, tem sido prudente com os recursos próprios (tempo, energia, foco e capital) para as empresas próprias, visto que esse contexto, em sua maior parte, impactou bastante negativamente expectativas de receita e crescimento na maior parte dos setores. Existem também muitos investidores que estão vivendo ambos os fenômenos em paralelo. Estão reticentes de uma forma geral, e também têm portfolios demandando atenção máxima.
Quase todos os tipos de investidores mencionados anteriormente têm uma parcela que se enquadra nessa categoria.
(1.2) ‘Vida que segue’
Esse segundo grupo é composto pelos investidores que seguem suas atividades de investimento normalmente, passado o momento inicial de assimilação e digestão do contexto do 1º semestre de 2020, e após à realização dos ajustes práticos de dia a dia necessários (home office e acomodação das atividades logísticas da vida pessoal e profissional). De forma geral e não exaustiva, esse grupo é composto principalmente por famílias com muita liquidez, ou fundos/instituições cujos mandatos estão em períodos de investimento e o core business precisa seguir. Os meses iniciais foram de entendimento, ajuste e atenção, e agora o core volta como antes, com o novo capítulo na agenda de diligências ‘efeito COVID-19’ na operação das potenciais investidas — sejam essas empresas, outros fundos etc.
(1.3) ‘Acelera que é o momento’
“Comprar ao som dos canhões, vender ao som dos violinos”. Máxima clássica do mercado e pensamento tradicional, que tem seu fundamento em grande medida, desde que não exercido de forma predatória em uma negociação onde uma parte ganha e a outra perde. Para nós, o impacto positivo começa dentro de si mesmo(a), e nas relações mais próximas, e portanto as negociações devem trazer ganhos concretos para todas as partes.
Esse terceiro grupo de investidores está ainda mais ativo em suas atividades de investimento em ativos ilíquidos, visto os valuations mais flexíveis na outra ponta, e necessidade de liquidez geral do mercado. Bons negócios estão dando bons descontos, muitas vezes, para trazer um capital mais veloz dentro de um contexto mais lento e cauteloso.
A maior parte dos investidores, baseado em nossa sensibilidade e amostragem empíricas, para nosso core, estão concentrados no (1.1) e (1.2), e poucos no (1.3). Isso faz com que a velocidade média de fund raising geral abaixe, e o apetite por ativos com maior essencialidade e resiliência a contextos de turbulência aumente.
(2) O posicionamento da Rise Ventures nesse contexto
Nós na Rise Ventures tomamos uma decisão de nos posicionar como uma gestora de investimentos em negócios de economia real, com impacto positivo e retorno financeiro atrativo (20%+ a.a.). Por economia real, entendemos qualquer produto ou serviço tangível. Por impacto positivo, entendemos qualquer ativo que se enquadre em uma ou mais dessas 3 verticais de investimento:
(2.1) Social: Produtos e serviços essenciais relacionados a inclusão social em itens essenciais. Aqui temos 8 setores-foco: educação, saúde, crédito, moradia acessível, energia, conectividade, empregabilidade e eficiência da gestão pública. Trata da minha relação com o outro ser humano.
(2.2) Nature: Produtos e serviços relacionados à regeneração e preservação de meio-ambiente e recursos naturais. Aqui temos outros 7 setores-foco: energia renovável, preservação de recursos naturais, economia circular, saneamento, gestão de resíduos, e transporte e construção sustentáveis. Trata da minha relação com o meio.
(2.3) Well-being: Produtos e serviços relacionados ao autocuidado. Temos outros 4 setores-foco aqui: saúde preventiva, alimentação saudável (plant-based e nutricionalmente relevante), educação psicoemocional e saúde do corpo. Trata da minha relação comigo mesmo(a). Acreditamos que o impacto positivo nasce aí, inclusive. Ofereço ao mundo o que tenho, de todos os pontos de vista — material, emocional, espiritual.
Focamos em empresas dentro desse espectro descrito, de consumo recorrente (de preferência diário), com porte entre R$ 10 e R$ 50 milhões de receita anual como ponto de entrada do nosso investimento. Isso porque existe uma ‘lacuna’ muito expressiva de capital proativo no mercado financeiro no Brasil (em outros países desenvolvidos é diferente) para as empresas que são muito caras para investidores anjo, mas ainda muito pequenas para fundos tradicionais de private equity. Dessa forma, existem excelentes oportunidades de investimento em um país com dimensão continental, cheio de problemas super-reais a serem resolvidos, desassistidas do ponto de vista de capital e gestão. A liquidez média esperada do nosso portfólio, após o ciclo natural de investimento, tende a ser interessante pois nosso ponto de exit é o ponto de entrada da maior parte dos grandes fundos de private equity e investidores estratégicos. A realidade para empresas focadas em tecnologia mais pura é diferente disso, visto a atuação crescente da indústria de venture capital focada em tech no Brasil. Bons times com boas propostas de valor podem acessar cheques em qualquer ponto de sua curva de crescimento.
Em paralelo ao tipo de empresas que investimos, nossa proposta de valor é entregue quando colocamos na equação nosso fundo de Private Equity Early Growth. Unindo times de gestão full-time e metodologia de growth nas empresas investidas, participamos hands-on da execução dos planos de negócios e do crescimento da empresa. Dessa maneira, a empresa investida se beneficia por ter valor agregado real além do capital; Na outra ponta, o investidor do FIP da Rise se beneficia por ter desconto adicional que negociamos com os(as) empreendedores(as), no investimento de entrada, por oferecermos a gestão hands-on do Private Equity; e, por fim, a Rise se beneficia em se posicionar com diferencial claro e ter expectativas de performance boas dentro de um ecossistema que está trabalhando duro para se formar, consolidar, e provar que retornos financeiros não só podem, mas devem andar de mãos dadas com ofertas que sejam bem-vindas ao nosso planeta, e para todas as formas de vida aqui presentes.
Por fim, podemos dizer que nosso posicionamento também nos entrega uma resiliência dentro de distintos contextos políticos, econômicos, e até de saúde pública, uma vez que os produtos e serviços de nossas investidas e do nosso pipeline, faça chuva ou faça sol, continuarão sendo consumidos pois são de alta essencialidade, recorrência, qualidade e resolvem problemas relevantes e necessários.
(3) A nossa visão — e expectativa — de um breve futuro
Nesse último bloco entramos em um campo mais subjetivo e filosófico. Relatamos a nossa percepção do momento atual, partindo das premissas de que a nossa espécie é evolutiva, e de que coincidências não existem. Se alguma dessas premissas não for verdade para você, respeitamos seu ponto de vista, e esperamos que você consiga absorver algo de positivo, ainda assim, desse relato.
Primeiro e mais importante, deixamos aqui claramente expressos nossos sentimentos mais profundos e verdadeiros a todas as vidas perdidas e impactadas. A todos os familiares, amigos e colegas dessas vidas. Também a todos que sofreram e estão sofrendo consequências econômicas drásticas pela redução ou desaparecimento de suas atividades e trabalhos. Estamos juntos e conectados em uma grande meditação e ação ativa para que esse contexto passe o mais brevemente possível; e que façamos dos escombros deixados um belo vilarejo que integra matéria e espírito.
O ser humano, em sua vasta maioria — na qual nos incluímos também — , feliz ou infelizmente, evolui mais pela dor do que pelo amor, ainda. Entendemos que um ângulo construtivo e acolhedor desse momento seja pensar que essa crise veio trazer um pouco mais de dor, como um alerta da enorme insustentabilidade dos nossos sistemas políticos, econômicos, sociais, e também da nossa relação com o meio que estamos inseridos. Nossa ‘casa’ de verdade, o planeta Terra. O relógio e tempo chronos estão em contagem regressiva para catástrofes bem maiores e cientificamente alertadas há anos.
De um lado, mais da metade do mundo não tem acesso a ‘itens básicos de dignidade’, como descrito acima. De outro, na média, estamos destruindo a natureza, outras formas de vida, e os recursos naturais do planeta — incluindo a água potável — , em uma velocidade que já demanda ação firme para regenerar, e não somente para conservar. Se os agentes com maior poder e influência pública e privada no mundo não agirem com a assertividade e velocidade demandada, o COVID-19 deixará saudades em comparação aos cenários projetados mais ‘suaves’ do enorme problema do aquecimento global que nossa espécie está causando, e cuja consciência a respeito ainda é bastante baixa, mesmo nos círculos mais educados formalmente que transitamos.
Temos dificuldade, como espécie, de sentir a real integração entre tudo. De sentir que a vida pode ser lida como diversas redes e cadeias complexas e interligadas. Por isso uma parte afeta tanto a outra — como agora está acontecendo. A capacidade média da nossa espécie de amar e ser amada — no sentido mais puro da palavra — aumenta em momentos de crise. A consciência média aumenta. Uma parcela da população já consciente disso tudo age ainda mais profundamente como canal de solução e ‘cura sistêmica’; uma parte que estava predisposta passa a agir assim; uma parte que ainda não sente o problema dessa forma, pode se tornar predisposta a sentir, perceber e agir. Claro, existe uma parcela também que ficará talvez ainda mais fechada, ‘amargurada’, que aceita pouco os fatos que não se controla da vida, e tentará retomar ‘o tempo perdido’, seja lá o que significar isso, após o isolamento realmente passar. Mas na média, acreditamos que há mais gente a se transformar positivamente do que gente a se retrair. Somos otimistas estruturais.
O ser humano é um animal evolutivo, muito criativo, inventivo, e nas maiores dores tende a criar soluções e inovações proporcionais para resolver os problemas reais, e se ajustar ao ‘novo’. Precisamos de um grande ajuste — começando pelo mindset do que é realmente relevante e essencial, e automaticamente isso se reflete em todo restante. Acreditamos que a atividade de investimento de impacto positivo é uma dessas ferramentas, dentre várias outras, que vão nos levar a um sistema mais empático e inclusivo com todas as formas de vida, e mais equânime em oportunidades. Esse tema — investimentos EESG (economic, environment, social and governance), ou de impacto positivo — já estava ‘quente’ nas agendas gerais, e vai esquentar ainda mais. Estamos acompanhando, desde o epicentro de tudo isso, o que está acontecendo — capital intencionado vindo, junto com gente talentosa se questionando e se aproximando. As novas gerações já vêm com esse mindset mais naturalmente. Incentivamos todos os lados dessa equação, e nos posicionamos como uma plataforma nesse sentido.
Nós vislumbramos e agimos para um futuro onde o capital é meio, e não fim em si mesmo, e é usado com consciência, a favor da transformação positiva que necessitamos. Usamos a força do nosso sistema — que é sua eficiência — para transformá-lo. Dolorido, pois requer quebrar paradigmas tão profundamente mentais quanto antigos. Estamos no centro, acolhendo as polaridades desse processo. As nossas internas, em primeiro lugar. Nossa sociedade está aprendendo a lidar com as polaridades, de todos os pontos de vista, para integrar e perceber a conexão e interligação entre tudo o que é vivo. Sigamos juntos nessa caminhada. Como diria a mestra: “A vida é uma grande pergunta. A forma que vivemos é a melhor resposta que podemos dar”.