Empreendendo durante a crise

Rise Ventures
10 min readApr 2, 2020

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No dia 25 de março, fizemos uma “live” no Instagram para falar do tema “Empreendendo nessa crise”. Nosso CEO e cofundador, Pedro Vilela, trouxe boas práticas de planos de mitigação e contingência de negócios durante a crise do COVID-19 e o isolamento social, além das ações que a Rise e investidas têm tomado. Ele também respondeu perguntas trazidas pelos espectadores a respeito do que cada um vivencia nesse momento. Entendemos que empreender exige duas principais skills: resiliência e capacidade de ajuste. Empreender já não é fácil; em tempos de pandemia, então… a capacidade de ajuste é mais do que essencial.

Crise e os impactos econômicos

Essa crise está tendo e terá impactos profundos em toda a sociedade. Será muito grande o impacto no âmbito econômico. Ela atinge desde o profissional autônomo até o cadeias de valor inteiras globais em múltiplos países; desde o instrutor de academia que não pode dar aula, até diversos setores inteiramente fechados. Países reduzindo suas projeções de PIB; é uma crise comparável (ou maior) com a crise de 1929, há quase um século, que reverberou por décadas, foi mais expressiva nos EUA, mas que também atingiu outros países.

Um ponto importante a ser considerado para dimensionar o impacto dessa crise na questão de empreendedorismo e negócios é o tempo que ela deve durar. E esse tempo deve ser dividido em dois: o tempo até voltarmos à normalidade de circulação, fim do isolamento social e quarentena, com comércios operando, e o outro, tão fundamental quanto, o tempo até o seu consumidor ou cliente voltar a ter dinheiro e apetite para consumir o que você oferece. Esse último pode variar desde um dia até muitos meses, dado os diferentes negócios.

Como estamos no epicentro da crise, é difícil falar dos desdobramentos dela, mas é possível pensar em maneiras de dimensionar esse impacto, mesmo com a incerteza.

Para uma análise, podemos dividir os negócios do mundo em três categorias: a primeira delas sendo de negócios que deixam de operar totalmente durante esse período — talvez a maioria dos negócios se encaixe aqui. A segunda, os negócios que operam parcialmente, seja com o modelo atual ou ajustado, que atende de alguma forma a demanda. E, por último, o negócio que opera normalmente, que é anticíclico — supermercados, farmácias, delivery; que estão vendendo até mais do que antes da crise.

No caso da Rise, atuamos com economia real, consumo recorrente e de necessidades básicas, e a tendência é que as pessoas não parem de consumir alimentos e energia elétrica, ou de produzir lixo. Entendemos que as empresas do nosso portfólio se encaixam em mais de uma categoria citada — é necessário que seja feita uma análise caso a caso, e a depender da evolução da crise. Por exemplo, a Beleaf, que trabalha com alimentação plant-based ultracongelada, é anticíclica; as pessoas estão comprando mais comida e as vendas subiram. O mesmo não pode ser dito da Alba, de instalações de energia solar, nem para Okena, de gestão de efluentes tóxicos industriais.

Independente de qual categoria se encaixe seu negócio, é necessário elaborar um plano para sobreviver até que o cenário mude, e é aí que entra um plano de contingência e mitigação.

Plano de contingência e mitigação

Para elaborarmos os nossos planos, usamos uma visão de cinco blocos a serem olhados. Ele é fundamentado em dois pilares: saúde humana — precisamos ser responsáveis pelas pessoas, por nós, família e funcionários — e saúde no negócio — isso podendo significar a sobrevivência da empresa, em muitos casos.

(1) Pessoas

O primeiro bloco a ser olhado são as pessoas, e aqui entra a questão de saúde e segurança. Quais medidas devem ser tomadas para garantir que as pessoas que trabalham para mim estejam seguras? E essas medidas podem ir desde homeoffice para todo o time, até rotinas alteradas com escala, transporte privado sendo pago, ou o que for necessário para garantir que o trabalho seja possível.

Na Beleaf, a equipe da cozinha que precisa trabalhar in loco é levada por motoristas até a empresa, onde as medidas de higiene estão mais rigorosas e a temperatura dos funcionários é medida mais de uma vez por dia.

É importante também criar políticas novas de trabalho. É necessário ter novas ferramentas, novas rotinas e ajustar o que é feito. É preciso também paciência e empatia dos gestores para entender que a produtividade pode cair, que é um momento atípico e que leva tempo para as pessoas se ajustarem a esse novo modelo. Essas regras devem ser criadas e comunicadas, para que haja organização do trabalho.

A Rise adotou o modelo de homeoffice, com ferramentas de teletrabalho e comunicação virtual para que as pessoas conversem de maneira simples e acessível. Mantivemos nossos rituais, apenas ajustados ao novo modelo.

Em relação a manter os funcionários na empresa, é preciso ter empatia e pensar em maneiras de não ter que demitir time — antecipar férias se possível, montar pacotes customizados para diferentes equipes, o que for possível, e não ‘como não pagar essas pessoas’.

Estamos todos juntos nessa, e devem ser tomadas decisões com bom senso, diante das flexibilizações que o Governo está anunciando. Informem-se em detalhes dos pacotes que tem medidas que podem ajudar.

(2) Liquidez, ou dinheiro

Esse é o principal ponto para os negócios: tragam a maior quantidade de dinheiro que puderem. A principal variável nessa crise é o tempo, e caixa pode significar a sobrevivência ou não do negócio.

Não é fácil, mas é muito importante trazer todo o capital possível. Temos três principais pontos para fazer isso: o mais difícil, e que provavelmente só se adequa aos negócios anticíclicos, é aumentar as vendas.

A segunda é ter sócios atuais, ou novos que estejam interessados, que aportem dinheiro nas companhias. Por um lado, é um momento delicado em que as pessoas não tomam decisões conclusivas, por outro, quem tem dinheiro para investir, está atento as oportunidades já que o contexto de entrada (negociação de preços) está favorável.

Outra maneira são as dívidas, tanto de bancos quanto de ‘friends and family’; quem tiver a possibilidade de tomar empréstimo, talvez seja melhor pagar juros lá na frente do que faltar caixa. Caixa pode significar oxigênio dos negócios daqui algum tempo, se já não for.

(3) Fornecedores

É preciso olhar para a cadeia de fornecedores de forma profunda, conversando com cada um deles para entender se eles estão bem e se podem continuar a atender sua empresa. Isso é fundamental para encontrar alternativas caso algum deles deixe de operar ou não consiga suprir sua demanda, para garantir que o seu serviço ou produto chegue no consumidor. É preciso entender também como está a cadeia, porque seu fornecedor pode estar bem, mas o distribuidor/operador logístico que leva até você, não. O entendimento completo da cadeia dá visibilidade de possíveis problemas ou deficiências.

(4) Clientes

É preciso entender se é possível ajustar meu modelo para atender aos clientes durante esse período. As pessoas estão em casa, fragilizadas, precisando de entretenimento, acolhimento e empatia. De que forma você pode melhor atendê-las?

Plataformas de delivery, educação e outras estão aproveitando para conseguir novos clientes, mesmo que seja disponibilizando serviços e produtos gratuitos, mas que possam converter em pagamentos depois.

Encontrando uma forma de melhor atender seu cliente, estude como isso impacta no negócio e o que precisa ser feito para adequar-se ao plano. Qualquer possível receita adicional é bem-vinda nesse momento.

(5) Canais de vendas e distribuição

O último bloco é o de canais; tanto entre o fornecedor e a empresa, quanto da empresa para o cliente final. Assim, como falamos anteriormente no bloco de ‘fornecedores’. Cheque os canais de venda e distribuição na cadeia inteira para tomar decisões, e entender se é possível você ajustar seu modelo.

Outras considerações a respeito de empreender na crise

Algumas perguntas sofreram certa alteração em sua formulação para maior clareza.

- O modelo de consumo direto deve aumentar?

Com certeza pessoas que nunca tiveram o hábito de consumir on-line estão tendo esse contato agora, e isso pode fazer com que mantenham essa preferência no futuro. De qualquer forma, o consumo direto é tendência.

- Dado que muitas pessoas estão fazendo estoque, qual o impacto previsto disso nos negócios? Eles devem estocar?

Essa questão varia de setor para setor, e para alguns negócios vale a pena estocar o máximo possível; no caso da Beleaf, estamos estocando pratos produzidos, com validade de alguns meses. Para entender se vale a pena, é preciso calcular financeiramente o potencial benefício em se ter um estoque maior (caso a produção pare, por exemplo), vis-a-vis a estimativa de perdas de insumos e o custo associado, dada a perecibilidade de um determinado bem, assumindo um percentual de perda. Só deve-se estocar se o saldo for positivo depois dessa conta. Na Alba, já estávamos em um movimento de estocar placas, porque a demanda é muito grande, por exemplo.

- Quais as consequências para o setor de entretenimento?

Em um primeiro momento, o entretenimento on-line se beneficia e deve ter crescimento, já que as pessoas estão em casa. Já o entretenimento off-line, como cinema, teatro e outros, precisamos entender o tempo que vai durar a crise — essas opções estarão fechadas, mas ao reabrir, dependerá do apetite das pessoas. Por um lado, as pessoas estarão entediadas de ficar em casa e devem procurar alternativas quando saírem do isolamento. Por outro, a questão da renda do seu consumidor é importante; pessoas de baixa renda devem cortar o que não é essencial, e entretenimento entra nesse setor.

O que pode ser feito é, como falamos anteriormente, pensar em maneiras diferentes de atingir seu público durante a crise, e também logo após ela.

- O mercado de M&A terá um boom no segundo semestre. Fundos devem ir às compras?

Fundos que estão em período de investimento continuarão buscando oportunidades de investimento e a máxima dos tradicionais é conseguir o melhor preço possível. Diante de um cenário em que várias empresas estão atrás de dinheiro, o momento se mostra propício para quem tem o dinheiro e apetite. Esse cenário se intensificará após o isolamento.

- Como enxerga o investimento em marketing nos próximos meses?

Isso depende, como sempre, do tipo de negócio. Há negócios que devem crescer os investimentos em marketing para atingir mais consumidores, há os que mantém e os que devem diminuir cessar. Como entender quem deve aumentar os investimentos?

Para investir em marketing é necessário ter capital; quem terá mais dinheiro são os negócios anticíclicos ou grandes. Porém, se formos arriscar um palpite, as empresas devem diminuir os investimentos em geral de marketing, porque perderão receita, e a priorização do budget para geração de demanda deve estar mais em vendas do que em marketing.

- Qual a perspectiva para o setor de construção e decoração?

O setor de construção é bastante impactado, porque as obras estão diminuindo e precisam diminuir por questões de segurança e saúde. Porém, é um setor que deve voltar assim que terminar o isolamento, já que haverá um incentivo muito grande para construtoras e incorporadoras; atraso significa perda de dinheiro. Resta entender se esses bussiness sobrevivem ao período de crise, devido ao seu modelo de negócios. As vendas de imóveis devem cair nos próximos meses — não é um momento em que a população pensa em comprar, além disso, o setor de construção é extremamente alavancado/endividado.

Já o setor de decoração, depende de como os negócios atuam: se a atuação for on-line, pode ter ganhos com as pessoas em casa buscando deixar seus ambientes mais agradáveis. Se atuarem no setor empresarial ou planejados, devem sofrer.

- Como você vê o isolamento social?

Essa é uma pergunta profunda e reflexiva. O isolamento social tem dois lados: o ruim é o sensorial de estar longe de outras pessoas, de confinamento. Por outro lado, esse pode ser o momento no qual várias pessoas terão contato com uma realidade diferente, e que pode fazer as pessoas olharem para dentro, deve gerar conflito, e isso tende a gerar ganho de consciência.

- E o setor de turismo, como fica?

Na mesma lógica do entretenimento, o isolamento pode causar um aumento da busca por viagens quando chegar ao fim, mas voltado a uma população de renda mais alta, porque não é prioridade para as famílias de renda mais baixa. Todos são impactados, uns mais do que outros. É um setor extremamente afetado, mas com uma volta clara.

- Empresas que exportam da China, saíram mais prejudicadas dessa crise?

Com certeza. Essa crise trouxe uma reflexão de negócios que dependem exclusivamente de um único país; é necessário diversificar as importações para que o impacto seja menos expressivo. O pensamento é de que a cadeia deve ser mais local e fragmentada.

- Qual seria sua dica para advogados nesse momento?

Nosso escritório parceiro, Tozzini e Freire, por exemplo, adotou o regime de homeoffice e está focado em rever contratos que precisam de aditamentos para prever alternativas a esse cenário. É buscar brechas e oportunidades, visto que o setor de serviços no geral pode ser feito e aprovado à distância. O que seu cliente precisa nesse momento?

- Na sua visão, qual vai ser a mudança expressiva de hábitos de consumo após essa crise?

O consumo consciente deve aumentar, sem dúvidas. E aqui falamos de consumo de produtos em que os consumidores sabem como funciona a cadeia de valor. O consumo local, de pequenos produtores e com impacto positivo, deve aumentar. O que vemos como tendência: consumo de produtos plant-based, diminuição de produtos de origem animal; o impacto e externalidades do que se é consumido será levado em conta.

Questão qualitativa a respeito da pandemia

Essa visão é do nosso CEO Pedro Vilela, não necessariamente reflete o pensamento da Rise Ventures como empresa.

Essa crise traz um momento de reflexão, das relações entre os seres humanos com os animais, com o mundo em que vivemos, com a natureza. E tudo isso nos escancara a vulnerabilidade da nossa espécie. Será que que somos mesmo o topo da cadeia alimentar?

Nossa essência de investimento de impacto parte do princípio de que os nossos sistemas econômicos e sociais não funcionam mais; a partir do momento que eles excluem 70% da população em itens básicos, e a partir do momento que eles exaurem os recursos naturais do planeta que vivemos. Fica claro que não funcionam.

E espero que essa crise tenha o papel de reduzir a aceleração e o frenesi das pessoas de cumprirem objetivos de agenda acima de tudo e todos; tenho esperança de que essa pandemia sirva para conscientizar quem está aberto a isso, e que, na média, saiamos dessa com mais consciência.

As questões de aquecimento global são mais relevantes do que a pandemia do momento, mas pouco se fala sobre isso, porque o ser humano precisa de um “empurrão” para isso; agimos com mais afinco quando nos deparamos com a morte, precisamos de um senso de urgência. Mas espero que isso sirva para que não precisemos de outro momento de urgência para melhorar como espécie em questão de empatia.

Precisamos criar sistemas sustentáveis para lidar com as sérias questões climáticas que vêm pela frente — que deixarão saudades do Corona, se não agirmos e já nessa direção.

Esse texto foi escrito com base no conteúdo apresentado ao vivo no nosso Instagram. Assista ao vídeo completo aqui.

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